TJ-SP anula multa a motorista que se recusou a passar pelo bafômetro

Em uma situação conflitiva, há de prevalecer, sobre a norma do § 3º do artigo 277 do CTB, a regra do artigo 186 do CPP, por ser mais benigna, por sua proximidade ao critério in dubio pro reo, e por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa.

Com esse entendimento, a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou decisão de primeiro grau e anulou uma multa aplicada pelo Detran a um motorista que se recusou a passar pelo teste do bafômetro.

Ao impetrar mandado de segurança, o motorista disse que foi autuado apenas por se recusar a passar pelo bafômetro, e que, sem indicação da autoridade policial de que apresentava sinais de alteração de sua capacidade psicomotora, não poderia ser mantida a penalidade aplicada com fundamento no artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro.

A multa havia sido validada em primeira instância, mas o TJ-SP, por maioria de votos, em julgamento estendido, acolheu o recurso do motorista. O relator do acórdão, vislumbrou no caso a existência de conflito entre o § 3º do artigo 277 do CTB, e o artigo 186 do CPP.

“Por força do sistema penal, que é unitário, não se pode compungir um condutor de veículo a submeter-se a procedimento de aferição de eventual e atualizada influência de álcool em seu organismo, porquanto isto importaria em admitir a compulsão de produzir prova (fortuitamente) contra o próprio compelido”, afirmou.

Para o relator, o critério in dubio pro reo não somente consagra a exigência de certeza para condenar, mas também corresponde à ideia de que a acusação têm o ônus de provar a culpa: “Ou seja, a certeza suficiente para a condenação, o que se tem entendido como probabilidade confirmatória da culpa quanto a um fato singular e concreto imputado ao réu, é a que guarda correspondência com a prova da imputação, prova que onera quem acusa”.

É neste quadro, em que atua o consequente do status da dúvida, que se deve considerar o papel do silêncio dos arguidos, afirmou. “Poderia até mesmo dizer-se, com uma reserva de provisoriedade, o papel do silêncio dos inocentes ou talvez melhor, dos não ainda convencidamente culpados. Porque é um dado universal a presunção de inocência ou mais adequadamente o status de não culpabilidade”, completou.

Dessa maneira, prosseguiu o desembargador, o non liquet probatório não pode ser superado por meio de uma compulsão de prova produzida pelo próprio imputado, “nem de seu silêncio, é dizer, da recusa lícita de produzir esta prova, extrair-se a confirmação presumida da culpa”.

A conclusão foi no sentido de que, se o arguido, pelo próprio sistema penal, não é obrigado a produzir prova contra si próprio, conforme o artigo 186 do CPP, não é possível harmonizar tal entendimento com o § 3º do artigo 277 do CTB.

“Assim, pois, o quadro dos autos é o de um confronto de normas subconstitucionais, sem produzir-se uma crise de constitucionalidade. Nesta situação conflitiva, há de prevalecer a regra do Código de Processo Penal (artigo 186), já por mais benigna, já por sua proximidade do critério in dubio pro reo, já por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa”, pontuou.

“Desse modo, tendo o condutor se recusado a realizar o teste, com conduta tipificada no artigo 277 do CTB e, tratando-se de infração de mera conduta, a norma do que dispõe o artigo 165-A de referido diploma, em que não se avalia o estado de embriaguez ou dependência química do infrator, mas sim, o ato de recusa ao exame, é mesmo de rigor a manutenção da r. sentença”, afirmou.